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TRADUÇÃO DE "PROBLEMA XXX" DE ARISTÓTELES
Tradução feita pela Prof. Elisabete Thamer

fotoPROBLEMA XXX (1)

Aristóteles (2)

[953a]
Por que todos os homens que foram excepcionais (perittoí)(3) no que concerne à filosofia, à política, à poesia ou às artes aparecem como seres melancólicos (melancholikoí), ao ponto de serem tomados pelas enfermidades oriundas da bílis negra (apò melaínes cholês)(4) - como o que se diz de Hércules nos [mitos] heróicos? Pois este parecia ser desta natureza (tês phýsios)(5), e é por este motivo que os antigos designaram doença sagrada as enfermidades dos epilépticos. A ékstasis (6) para com seus filhos e a eclosão de úlceras antes da [sua] desaparição no Oeta tornam isto evidente; pois isto ocorre aos muitos [acometidos] pela bílis negra (apò melaínes cholês). Também aconteceu de estas úlceras acometerem Lisandro, o lacedemônio, antes de sua morte. Ainda há [os mitos] a respeito de Ájax e Bellerofonte: dos quais um tornou-se completamente ekstátikos, enquanto o outro buscava lugares ermos (tàs eremías edíoken)(7), por isto Homero compôs assim: „Mas, depois que ele [Bellerofonte] tornou-se odiado por todos os deuses, vagou sozinho pela plana Aléia, roendo seu coração (thymón) e alijando (8) o caminho dos homens"(9).E, dentre os heróis, muitos outros parecem sofrer o mesmo pathos (homoiopatheîs) que esses. Entre os mais recentes, Empédocles, Platão e Sócrates (10) e muitos outros dentre os ilustres. E, ainda, a maior parte dos que se ocupam da poesia. Para muitos destes, estas enfermidades (nosémata) surgem de uma determinada mistura (kráseos)(11) no corpo; para outros, sua natureza inclina-se visivelmente para estes pathe (12). Todos são, então, para falar simples, tal qual sua natureza, conforme foi dito.Quem começar o exame [desta questão] deve tomar primeiramente a causa a partir de um exemplo já disponível. Pois o vinho excessivo parece realmente dispor [as pessoas] tais quais dizemos serem os melancólicos e aquele que [o] bebe [parece] desenvolver muitos éthe (13) como, por exemplo, os irascíveis, filantropos, piedosos, audaciosos; mas não [aquele que bebe] o mel, nem o leite, nem a água, nem nada análogo. Pode-se ver que [o vinho] torna [as pessoas] completamente diferentes, observando que ele muda gradualmente os que o bebem. [953b] Apossando-se, então, daqueles que foram resfriados e silenciosos na abstinência; se bebem um pouco mais, torna-os mais tagarelas (lalistérous) e, ainda mais, retóricos (rhetorikoús) e corajosos, ávidos para o agir; um pouco mais sendo bebido, [torna-os] desmedidos (hybristás), depois maníacos (manikoús)(14); uma extrema quantidade os relaxa e os torna embotados, como os que são epilépticos desde criança ou, também, como os que são tomados por fortes melancolias. Assim como, então, o homem modifica seu ethos bebendo e utilizando uma determinada quantidade de vinho, assim também há homens [que correspondem] a cada um dos ethos. Pois como está agota [um homem] embriagado, um outro [homem] é assim por natureza um tagarela, outro agitado, outro choroso. Pois [o vinho] transforma uns e outros e [é] por isso que Homero compôs: „Dizem que navego em lágrimas, tomado que estou pelo vinho"15. Por vezes se tornam piedosos, rudes e silenciosos; alguns se calam, e sobretudo dentre os melancólicos os que são ekstatikói. O vinho, por outro lado, os torna amorosos (philetikoús). Sinal disto é que o bebedor é incitado a beijar (phileîn) na boca quem, em sobriedade, não beijaria, quer em função da aparência, quer em função da idade. O vinho, então, torna [alguém] excepcional (perittón) não por muito tempo, mas por pouco; a natureza, por sua vez, [mantém-no] sempre (aeí), enquanto existir. Por natureza, tornam-se corajosos, silenciosos, piedosos ou covardes. De modo que é evidente que é pelo mesmo [motivo] que tanto o vinho quanto a natureza criam o ethos de cada um: pois tudo se efetua sendo administrado pelo calor. O humor (chymós)16 e a mistura da bílis negra são pneumáticos17. E é por isso que os médicos dizem serem melancólicas as afecções pneumatóides (pneumatóde páthe) e as hipocondríacas (hypochondriaká). E o vinho é, quanto à sua dýnamis18, pneumatóide. É bem por isto que o vinho e a mistura são de natureza semelhante. O que mostra que o vinho é pneumatóide é a espuma (aphrós)19; pois, se o azeite sendo aquecido não faz espuma, o vinho, por sua vez, [faz] muita, e o [vinho] negro mais ainda do que o [vinho] branco, porque ele é mais quente (thermóteros) e mais encorpado (somatodésteros). Por isso o vinho incita aos prazeres afrodisíacos (aphrodisiastikoús)20 e diz-se corretamente estarem juntos Dioniso e Afrodite21 e que a maior parte dos melancólicos são lascivos. Pois o aphrodisiasmós é pneumatóide. Do que é sinal a parte pudenda (tó aidoîon)22, pelo modo como de pequeno, rapidamente, produz o aumento por meio do enchimento [de ar]. E, ainda antes de poder emitir esperma, advém algum prazer naqueles que são ainda crianças quando, próximos de serem púberes, alisam desordenadamente as partes pudendas, e torna-se evidente que isto ocorre por meio do pneuma que percorre os canais através dos quais, mais tarde, o líquido será conduzido. O derrame do [954a] esperma nas relações íntimas (en taîs homilíais) e a ejaculação têm sua origem evidente no pneuma projetado (hypò toû pneúmatos). De modo que, dentre os alimentos e bebidas, são seguramente afrodisíacos os que tornam pneumático o local em torno das partes pudendas. Por isso, o vinho negro, mais que tudo, torna [as pessoas] pneumáticas, tal qual são os melancólicos. O que torna-se evidente a partir de certas conformações: dos melancólicos muitos são, com efeito, secos (sklerói)23 e as [suas] veias são salientes. E a causa disto não [é] a grande quantidade de sangue, mas de pneuma; porque nem todos os melancólicos são secos ou negros, mas, sobretudo, aqueles mal-humorados (kakóchymoi), é uma outra questão (lógos). Mas, retornemos sobre aquilo que, desde o princípio, tomamos para discorrer, que na natureza tal humor - o melancólico - se mistura diretamente; pois é uma mistura do quente e do frio, e a natureza se compõe destes dois. Por isso, também, a bílis negra se torna tanto muitíssimo quente quanto muitíssimo fria. Porque o mesmo se afetou naturalmente de ambos, como, por exemplo, a água que é fria e que, se for suficientemente aquecida até a fervura, é mais quente do que a própria chama; e a pedra e o ferro que, transformados através do fogo, tornam-se mais quentes do que o carvão [ardente], embora sejam de natureza fria. Falou-se mais claramente acerca destas coisas na [obra] sobre o fogo24. A bílis, negra, que é fria por natureza e não sendo superficial e, estando assim como se disse, se superabunda no corpo, produz apoplexias (apoplexías), ou torpor (nárkas) ou atimias (athymías)25 ou temores (phoboús); se está superaquecida, [produz] eutimias acompanhadas de cantos (oidês euthymías), êxtases (ekstáseis), erupções de úlceras (ekdzéseis elkôn)26 e outras [coisas] semelhantes. Então, para muitos, [a bílis negra] que se origina da alimentação diária, não produz nenhum ethos, com relação aos diferentes, mas resulta apenas em alguma enfermidade melancólica. Aqueles que possuem em sua natureza uma tal mistura, estes tornam-se imediatamente variados, no que diz respeito aos éthe, diferentes segundo cada mistura. Por exemplo, naqueles em que a [mistura] é abundante e fria, tornam-se estes pesarosos e embotados; naqueles em que ela é mais abundante e quente, maníacos (manikói), bem dotados (euphyeîs) e eróticos (erotikói) e facilmente levados às emoções (prós toús thymoús) e aos desejos (epithymías); alguns tornam-se também mais tagarelas. Muitos são tomados por enfermidades devido a este calor estar próximo do tópos pensante(noeroû tópous), são tomados pelas enfermidades maníacas (manikóis) ou de entusiasmos (enthousiastikoîs)27, daí surgem Síbylas e Bákides e todos os possessos (éntheoi) no caso de não advirem de enfermidade, mas de mistura natural. Marakós, o siracusano, era melhor poeta quando estava em êxtase. Mas, naqueles em que o calor excessivo [954b] se combina para um mediano, estes são melancólicos porém mais sensatos (phronimóteroi) e menos excêntricos (éktopoi); são distintos dos outros em muitas coisas, uns quanto à formação, outros quanto às artes, outros quanto aos assuntos da pólis. Tal estado (héxis)28 faz, às vezes, grande diferença diante do perigo: pois a maior parte dos homens é anômala29 quanto aos temores. Assim, se por acaso têm o corpo propenso a tal mistura, eles diferem de si mesmos. Tal como a mistura melancólica produz anômalos nas enfermidades, assim também ela própria é anômala; pois ela é tanto fria, como a água, quanto quente. Logo, quando algo temível (phoberón) é anunciado, se por acaso a mistura estiver fria, [ela] produz covardia; pois ela preparou as vias do temor e o temor gela (katapsýchei). Demonstram [isto] os temerosos (períphoboi): pois eles tremem. Se, por outro lado, [a mistura] estiver mais quente, o temor se reduz à justa medida (tó métrion), e [permanecerá] nele próprio e não-afetado (apathê). Igualmente [acontece] com as atimias diárias pois, freqüentemente, encontramo-nos assim entristecidos e, a propósito do que, não poderíamos falar; às vezes, por outro lado, somos eutímicos, sem razão aparente. Tais páthe, certamente aqueles que são ditos mais superficiais30, surgem um pouco em todos; pois, em todos misturou-se algo desta dýnamis; mas, naqueles em que isto se deu mais profundamente, estes já são de determinado tipo de éthe. Pois, assim como [os homens] tornam-se outros pela aparência, e não por ter rosto, mas por ter tal ou tal [rosto]: tendo uns beleza, outros feiúra, outros não tendo nada excepcional (perittón), estes [sendo] de natureza mediana; assim, aqueles que têm uma pequena participação nesta mistura são medianos, enquanto os que têm muita são diversos da maior parte. Pois se este estado for exacerbado, eles são demasiado melancólicos, mas se é de algum modo atenuado, excepcionais. São inclinados, se se descuidarem, para as enfermidades melancólicas, outros [podem ter afetada] outra parte do corpo; em alguns surgem enfermidades epilépticas, em outros, enfermidades apopléticas, em outros, fortes atimias ou temores, em outros, confiança excessiva, como o que ocorreu a Arquelau, o rei da Macedônia. A mistura é a causa de tal dýnamis, conforme seja de resfriamento ou de aquecimento. Pois estando mais fria, em momento oportuno (kairós)31, produz distimias sem razão; é por isto que os enforcamentos se encontram, sobretudo, entre os jovens, algumas vezes também [entre os] velhos. Muitos destroem a si mesmos depois da embriaguez. Alguns dos melancólicos mantêm-se atímicos depois de terem bebido, pois o aquecimento do vinho apaga o aquecimento natural. O calor, próximo [955a] do tópos onde pensamos e temos esperança, torna-nos eutímicos. E é por isto que todos têm o desejo de beber até a embriaguez, pois o vinho, excessivo, torna-nos, a todos, esperançosos, como a juventude aos meninos: pois, se a velhice é desesperançada, a juventude é, por sua vez, plena de esperança. Existem alguns poucos aos quais as distimias os tomam enquanto bebem, pela mesma causa [que tomam] a alguns depois da bebida. Então, naqueles em que o calor é extinto, surgem atimias e eles se enforcam mais. É por isso que os jovens e32 também os velhos mais se enforcam. Pois, se por um lado, a velhice extingue o calor, por outro, o pathos, que é natural, o é também o próprio calor extinto33.Pois aqueles em que se apaga subitaneamente (exaíphnes), a maior parte se mata, de modo a espantarem-se todos, por não se dar um sinal prévio.Então, a mistura oriunda da bílis negra tornada mais fria, como se disse, produz atimias de todo tipo; sendo mais quente, por sua vez, eutimias. Por isso que as crianças são mais eutímicas, ao passo que os velhos são mais distímicos. Pois [aqueles] são quentes e [estes] frios: pois a velhice é um resfriamento. Mas ocorre de [o calor] se apagar subitamente, devido a causas exteriores, como [o que ocorre] contra a natureza com [as coisas] inflamadas, por exemplo, quando se verte água sobre o carvão [ardente]. Por isso alguns se matam ao sair da embriaguez: pois o aquecimento oriundo do vinho é trazido de fora; quando [ele] é apagado, sobrevem o pathos. E depois dos prazeres amorosos (tá aphrodísia) a maior parte se torna mais atímica e aqueles que emitem o excesso (períttoma)34 acompanhado do esperma, estes [se sentem] mais eutímicos; pois eles se aliviam do que é excesso, do pneuma e do calor exagerado. Aqueles, muitas vezes, [permanecem] mais atímicos: eles se resfriam, pois, tendo-se entregado aos prazeres afrodisíacos, por suprimirem algo que lhes convém; o que mostra isto é o não grande fluxo emitido. Então, para dizer o que é capital, pelo fato da dýnamis da bílis negra ser anômala, anômalos são os melancólicos; pois ela pode se tornar muito fria e muito quente. E pelo fato de ela ser criadora-de-ethos (ethopoiós) (pois, do que está em nós, principalmente o quente e o frio criam-ethos), como o vinho que, sendo misturado em maior ou menor [quantidade] no corpo, torna-nos de determinado tipo quanto ao ethos. Ambos [são] pneumáticos, o vinho e a bílis negra. Posto que é possível ser a anomalia bem governada (eúkraton) e se apresentar de uma boa forma, em que a disposição (diáthesis)35 deve estar mais quente e novamente fria, ou vice-versa, de acordo com a extremidade apresentada: excepcionais (perittoí), então, são todos os melancólicos, não por enfermidade (nóson), mas por natureza.

NOTAS 1. O presente texto constitui uma versão da primeira parte (parágrafos 953a 10 - 955b 40) do Problema XXX, atribuído a Aristóteles ou a Pseudo-Aristóteles (ver nota 2), feita diretamente do grego. Esta versão, salvo pequenas modificações, foi publicada em A dor de existir ( Almeida, C. P. e Moura, J.-M. – Orgs). Rio de Janeiro: Contre Capa Livraria, 1997, pp. 23-35 e reeditada em Extravios do desejo: depressão e melancolia. (Quinet, A. – Org.). Coleção Bacamarte. Rio de Janeiro: Marca d'água, 1999, pp. 269-277. Para nosso trabalho utilizamos o texto estabelecido por Pierre Louis e editado por Belles Lettres (1994, pp. 27-36). Como referências utilizamos também as edições de J. Pigeaud (1988, pp 82-106) e de R. Klibansky (1979, pp.51-75). A versão de um texto clássico configura-se como uma tarefa das mais complexas. O desuso de uma língua que se não morta - devido ao fato de ressoar no berço de nosso próprio léxico - impõe ao tradutor o desafio, por vezes profano, de rasgar o véu dos sentidos vigentes, acessíveis, na tentativa romântica, talvez, de trazer à luz o frescor originário da letra grega. Optamos, destarte, pela sintaxe tortuosa, pela simples transliteração quando, por nossa herança greco-latina, a língua portuguesa nos oferece esta via. A sintaxe, por vezes dura, recheada de partículas, podem, para além de questão de estilo, evidenciar também nosso desconhecimento acerca do pensamento do autor. Dificílima é portanto a tarefa de traduzir um texto da Antigüidade Clássica, e a consulta a diferentes edições/traduções nem sempre é esclarecedora. Trata-se, sempre, de uma versão no sentido que este termo comporta de criação e de se voltar para. Somos especialmente agradecidos a Henrique Fortuna Cairus, professor de Língua e Literatura Grega da UFRJ, pela paciência e disponibilidade com que revisou esta versão. 2 Ao que tudo indica não havia na Antigüidade dúvidas quanto à autoria do Problema XXX, que encontra-se editado juntamente com os demais Problemas escritos por Aristóteles. Diógenes Laércio (1995, V, 23), embora não explicite o teor de cada um destes, relaciona entre a vasta obra do filósofo os Problemas. Cícero, em Tusculanes; Sêneca, em De tranquillitate animi (cf. Pigeaud, 1988, p.54) e Plutarco, em Vida dos filósofos ilustres (vol. IV), fazem referência ao texto, citando-o como de Aristóteles. Mais tardiamente surge a hipótese do Problema XXX ser de autoria de Teofrasto, ou algum outro discípulo de Aristóteles. Contribui para esta hipótese o fato do próprio Diógenes Laércio (1995,V,44) relacionar, entre as obras de Teofrasto, um texto sobre melancolia (Perí melancholías), bem como um tratado sobre o fogo (Perí pyrós), mencionado no próprio Problema XXX. De qualquer modo, trata-se, indubitavelmente, de um texto que se encontra no âmbito do pensamento aristotélico, bem como situado de modo congruente com a visível herança de um tema platônico (desenvolvido, principalmente, em o Fedro), juntamente com o Corpus Hippocraticum e toda tradição médica grega. 3. perittós/perissós - termo fundamental do Problema XXX e de difícil tradução. Indica, originalmente, „o que ultrapassa a medida, o limite", (conforme perímetro, em português). Deste sentido primeiro advém: „extraordinário, o que se distingue etc.". Pode designar, também, „o supérfluo, o resto", como, por exemplo, „o excesso de contingente militar". Há, no próprio Problema XXX, uma passagem (955a-24) que evoca o sentido de „excesso, resíduo", utilizando um termo derivado deste (períttoma). Escolhemos, portanto, traduzi-lo pelo termo excepcional, por este evocar, de algum modo, os dois campos semânticos descritos. 4. O termo melancolia origina-se da composição de dois termos: mélaina (negra) e cholé (bílis). Melancolia significa, literalmente, bílis negra. 5. phýsis - este termo grego, traduzimos, como se faz correntemente, por „natureza". Cabe, entretanto, ressaltar que, para os gregos, este termo não tinha, exatamente, o sentido que modernamente lhe atribuímos. Originalmente, phýsis indicava, por meio do sufixo sis, a ação do verbo phýo: „impulsionar, fazer nascer, fazer crescer, engendrar". M. Heidegger (1993, p. 484) comentou: „Phýsis, os Romanos a traduziram por natura; natura, de nasci, nascer, provir de, em grego: gen-; natura: o que deixa provir de si". 6. ékstasis- termo composto da preposição ek (fora, para fora) e pelo substantivo stasis (ação de pôr, estabilidade, posição, postura). Designa, portanto, „a ação de se deslocar, deslocamento, desvio ou, a ação de estar fora de si". Alguns comentadores, como J. Pigeaud (1988,p.38ss), consideram como indistinto o emprego dos termos ékstasis e manía, traduzindo ambos pelo termo „loucura". Talvez ele tenha razão. Outrossim, desejamos proporcionar ao leitor a possibilidade de uma interpretação pessoal, ao verificar que em momentos precisos, ou não, o autor emprega cada um deles. Optamos, então, por manter o decalque com o texto grego original. Platão discorre extensamente acerca da manía no diálogo intitulado Fedro. Neste, Sócrates distingue: „Mas, há duas espécies de manía: a produzida por doenças (nosemáton) humanas e a que por uma revulsão divina nos tira dos hábitos cotidianos(...) Na manía divina distinguimos quatro partes, referentes a quatro divindades: a Apolo atribuímos a inspiração mântica; a Dionísio, a teléstica [ou de iniciação nos mistérios]; às Musas, a poética; e a quarta, a erótica, considerada a melhor de todas, a Afrodite e a Eros..." (265 a-b) 7. tás eremías edíoken - literalmente: „buscou as eremias". Este último termo designa tanto lugares desérticos, ermos, quanto a solidão. Daí, ermitão em português. 8. Há, nesta passagem homérica, um jogo poético, difícil de manter, entre o nome da planície - Aléia - e aleeínon - „evitar, esquivar, escapar". 9. Homero, Ilíada, VI, 200-202. 10. É curioso observarmos a referência a estes filósofos, notadamente a Platão e Sócrates. De Empédocles, é conhecida a história de seu suicídio: teria se atirado no vulcão Etna. Alguns comentadores (cf. Pigeaud) pensam que Sócrates se encontra aí referido por causa de seu daîmon. 11. krâsis - „ação de misturar; objeto resultante de uma mistura". 12. Páthe - forma neutra plural de páthos, que originalmente significa „o que se prova, o que se experimenta; o que afeta o corpo ou a alma; eventos ou mudanças que se produzem nas coisas (por oposição ao que se faz 'ativamente')". O próprio Aristóteles dá-nos uma definição de páthos em Metaifísica VI, 1022, 15-16: „Páthos se chama, em um sentido, a qualidade segundo a qual cabe alterar-se, como o branco e o negro, o doce e o amargo, a pesadez e a ligeireza, e as demais coisas tais; em outro, os atos e inclusive as alterações destas qualidades. Ademais, entre estas, principalmente as alterações e movimentos daninhos, e sobretudo os danos penosos. Ainda, se chamam afecções (páthe) os infortúnios e penas graves". 13. Éthe - forma plural de éthos. Éthos/êthos - os dois termos que aparecem ao longo do texto guardam uma diferença sutil. Éthos indicaria, primordialmente, o sentido de „hábito", ao passo que êthos, „uma maneira de ser habitual, um comportamento" (cf. Pigeaud, pp. 25-26). Deste último, deriva o substantivo ethikós. Ë freqüente a tradução deste termo por „caráter". Como entendemos que esta palavra encontra-se atrelada a sentidos outros, e como ethos configura-se num conceito fundamental do pensamento aristotélico, optamos por manter a transliteração. 14. Cf. nota 5 15. Homero, Odisséia, XIX, 121-122 16. chymós - „qualidade do que é líquido ou em fusão; suco natural, serosidade dos humores do corpo, supuração de uma ferida; suco preparado". 17. pneumátika/pneuma - „que concerne ao sopro, à respiração, sopro vital; que concerne ao ar que tem vento, flatuoso". Não deve ser confundido com o ar (aér), um dos quatro elementos. Este sentido de pneuma evoca-nos o sentido primeiro (homérico) de psyché que designava, exatamente, o sopro. O verbo - psýcho - indica a ação de soprar, respirar. Anaxímenes (cf. G.S. Kirk, 1994, p.161), por exemplo, desenvolve a idéia de equivalência entre pneuma e psyché (alma). O termo frio, central no Problema XXX, parece originado do mesmo campo semântico. Frio é psychrós, cuja etimologia remonta, provavelmente (cf. Bailly) ao verbo psýcho (soprar). 18. dýnamis - „potência, poder, força, propriedade". 19. aphrós - „espuma". Inicia-se neste trecho todo um encadeamento semântico, por via significante, que tentamos preservar. Assim, aphrós é o termo/fato que comporá o nome de Afrodite, deusa do amor e da beleza, que, segundo Hesíodo, (Teogonia vs. 195-196), é a „...deusa nascida de espuma"; surgida no mar, em torno do pênis castrado de Chronos, por seu filho Zeus. Compõe este trecho do Problema XXX a seqüência de termos: aphrón, Aphrodite, aphrodisiastikoús, aphrodisiasmós. 20.Cf. nota 18 21. Idem 22. tó aidoîon - termo que designa „pênis" e aparece também na forma plural (tá aidoîa). Apresenta relação com o adjetivo aidós, que designava tanto o „sentimento de honra", quanto de „vergonha, pudor". 23. sklerói - também significa „magros" 24. Cf. nota 1 25. O texto apresenta uma vasta lista de termos compostos a partir de thymós (athymía, prothýmos, euthymía, epithymía, disthymía, entre outros), que é uma palavra de significação bastante complexa, que abrange: „sopro; alma; princípio de vida; princípio da vontade, da inteligência, dos sentimentos e das paixões. Vontade, desejo". Em Homero, segundo B. Snell (1960, p. 18-ss), Thymós é o „órgão da emoção e a sede da dor". 26. É interessante observarmos a quantidade de palavras iniciadas pela preposição ek (fora, para fora): ékstasis, ékphysis, eklúei, ékchysis, exécho, ekdzéseis, éktopoi, exaíphnes, o que parece anunciar uma insistência semântica, talvez a de que os diferentes pathos oriundos da melancolia têm, sempre, implicados (no próprio nome) a idéia de „estar fora, movimento para fora". 27. enthousiastikós/éntheos - „o que é animado por um transporte divino, inspirado pelos deuses"(en + theos). 28. héxis - „ação de possuir, possessão, maneira de ser, estado ou hábito do corpo, temperamento, estado ou hábito do espírito ou da alma, faculdade". Para Aristóteles (Metafísica, V, 1022b, 4-8), „Héxis se chama, em um sentido, por exemplo, certo ato do que tem e do que é tido, como certa ação ou movimento (pois quando um faz e outro é feito, está no meio o ato fazedor; assim também no meio do que tem um vestido e do vestido tido está o 'hábito' (héxis)". 29. anómalos - termo formado pelo prefixo de negação na, e do advérbio homálós („de um modo unido, de um modo igual"). Então, anómalos designa: „não unido, não igual; inconstante, irregular; que falta equilíbrio". 30. Há na edição original dos textos gregos uma controvérsia. Forster (um dos editores que estabeleceu o texto grego) optou pelo termo epipólaios, superfície. O termo constante na outra edição é tá palaiá, antigas. 31. kairós - momento oportuno. Conceito de tempo propriamente grego. Difere do tempo cronológico (sucessão) e do eterno (aeí). Na medicina, indicava, por exemplo, o tempo crítico de uma doença, no qual a intervenção do médico poderia salvar ou matar o paciente. 32. Há edições que incluem a partícula `( , usada em comparações, o que modifica o sentido da frase para: „os jovens, mais do que os velhos, se enforcam". 33. Frase enigmática, mesmo no texto original e para os comentadores. 34. Cf. nota 2 35. diáthesis - „ação de dispor, arranjar (a disposição do que tem partes), ordenância". Para Aristóteles (Metafísica, V, 1022, 1-3) „Diáthesis se chama a ordenação, segundo o lugar, ou segundo a potência, ou segundo a espécie, do que tem partes; é preciso, com efeito, que haja alguma posição (thésin), como inclusive o manifesta o nome 'disposição'". Referências bibliográficas: ARISTÓTELES. Metafísica. Ed. trilíngue por V.G. Yebra. Madrid, Gredos, 1990. ____________. Problèmes. Tome III. Sections XXVII à XXXVIII et index. Texte établi et traduit par Pierre Louis. Paris, Les Belles Lettres, 1994. BAILLY, A. 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Versão : Elisabete Thamer Revisão : Henrique Fortuna Cairus

 
 
 
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